Reflexões sobre a leitura

Veicula semanalmente no Jornal Gazeta do Sul a coluna “Universo das letras”, que conta com a participação de diversos convidados para abordar o mundo da escrita. Quem assina o texto publicado na edição de hoje é a Sandra Tornquist, redatora da D-SIGN e Mestre em Letras pela Universidade de Santa Cruz do Sul.

Caso você não ainda tenha lido o texto (que fala justamente sobre a importância da leitura), pode conferir aqui “A complexidade e a riqueza da leitura” na íntegra.

A COMPLEXIDADE E A RIQUEZA DA LEITURA

A leitura é tema de constantes e variados estudos e reflexões na contemporaneidade e tem se revelado cada vez mais um processo aberto e plural. Ao contrário do que se defendia no passado, aceita-se atualmente que os textos não possuem um sentido único que deve ser decodificado igualmente por todos os leitores proficientes, mas são diferentemente interpretados por cada leitor, a cada nova leitura.

Pode-se, assim, considerar que um texto é somente uma base, a partir da qual cada leitor “constrói” sua leitura particular. Essa afirmação é especialmente válida para os textos literários, marcadamente plurissignificativos, embora não deixe de ser aplicável a textos pretensamente diretos e objetivos, como os veiculados em jornais, revistas e informativos em geral.

Para entender o caráter individual que assume a leitura, deve-se considerar que durante o ato de ler são ativados os conhecimentos linguístico, textual e de mundo do leitor. A ativação desses conhecimentos é essencial para que se possa chegar ao momento da compreensão, da leitura em seu sentido mais amplo, enquanto produção de saber. É importante notar, porém, que os referidos conhecimentos são individuais, pois cada indivíduo possui um domínio diferenciado da língua e, principalmente, uma vivência, um conhecimento de mundo que é singular e irrepetível. É por isso que se pode afirmar que cada leitura de um texto é única e, consequentemente, o número de interpretações corresponderá ao de leitores do texto.

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Cabe, então, abordar um pouco mais detidamente os principais elementos que intervêm na atividade de leitura. Na composição do chamado conhecimento prévio entram em jogo vários tipos de saber, podendo-se considerar como o primeiro deles o conhecimento linguístico, que nos permite falar nossa língua materna como falantes nativos, ou seja, com naturalidade. Nesse conhecimento estão contidos o domínio das regras da língua, a pronúncia e o vocabulário e seu uso. Por isso, ele é fundamental no processamento do texto.

Além do conhecimento linguístico, também o conhecimento textual é indispensável no ato de leitura. Este se refere aos diversos tipos de texto e formas de discurso que são usados pelo autor de acordo com os objetivos que este pretende alcançar por meio de seu texto. O leitor deve ser capaz de perceber essas diferenças no discurso, se quiser compreender o que lê.

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Uma terceira forma de conhecimento prévio relevante no ato de leitura é o conhecimento de mundo, adquirido tanto de maneira formal (em uma escola ou universidade, por exemplo), quanto informalmente (através das experiências e da vivência em sociedade). Esse conhecimento de mundo, adquirido durante toda a vida, é acessado no ato de ler, facilitando a compreensão e permitindo ao leitor fazer inferências quanto àquilo que não está claramente dito no texto.

A inferência, mencionada acima, é outro tipo de conhecimento que precisa ser produzido durante o ato de leitura para que ocorra a compreensão. Trata-se da capacidade de gerar informações novas a partir de informações dadas, pois os textos geralmente primam pela concisão e por isso suprimem detalhes que o leitor deve ser capaz de recuperar mentalmente em sua leitura.

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Considerando-se o que foi mencionado acima, percebe-se a complexidade que envolve o ato de ler, mas, igualmente, relevância desse ato para a formação dos cidadãos, principalmente numa sociedade como a nossa, cercada pela escrita e, portanto, pela necessidade de leitura a cada instante. Ser um leitor proficiente é, assim, requisito para exercer plenamente a cidadania, para reivindicar direitos e participar ativamente da sociedade contemporânea.

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Dessa forma, é evidente a riqueza da leitura, a sua importância, que é ao mesmo tempo social, já que, como afirmado acima, é essencial para a convivência em sociedade, e individual, pois traz conhecimentos e benefícios que repercutem individualmente em cada leitor.

Muito ainda poderia ser mencionado a respeito da leitura e de seu papel essencial na vida do homem, mas os aspectos citados são suficientes para demonstrar o quanto ela se constitui num processo rico e plurissignificativo, seja por aquilo que a compõe, isto é, os conhecimentos, experiências e vivências individuais com que cada leitor se apropria de um texto, seja pela consequente multiplicidade de conhecimentos que produz.

Sandra Regina Tornquist